quarta-feira, 30 de março de 2016

A azáfama do até já.

 
Agarra no saco, um maneirinho onde caiba tudo, e de coração apertado começa a arrumar, camada a camada, a roupinha do filho ou da filha, o cachecol porque faz frio (e que o pai não deverá tirar do saco), aquele casaco tão quentinho (que o pai vai esquecer a um canto), os ténis novos comprados naquelas lojas baratas de desporto, os cremes, não vá ela, a criança, ficar com o rabinho assado, o 'shampoo' próprio para a sua idade, as meias, as cuecas, ufa, ufa, ufa...As mães são tão chatas.

Está a chegar o dia, aquele dia em que eles vão para o pai. A barriga começa a dar sinais de revolução interna, as palpitações fazem das suas, ai que raio que eu não me habituo a isto.  Devia estar contente, e até estou, afinal vai para o pai, e se o pai é bom, nalguma escolha eu havia de acertar. E que bem que até me vai saber, que isto de ser mãe separada tem o que se lhe diga de desgastante. Há momentos em que atira-los pela janela - no meu caso atira-la - parece uma boa solução, tivéssemos nos a certeza que funciona como nos desenhos animados do Panda. Mas não funciona e por isso não há como fugir (nem queremos) das mais de 44 mil solicitações que estes pequenos seres nos apresentam.

Toca a correr para lhes enfiar goela abaixo manhã bem cedinho aquele batido de banana que os fortalece e tentar empurrar uma torrada, acabada de comer a caminho da escola. No regresso, já se pensa no jantar, naquelas calças que temos mesmos de lhes comprar, nas consultas médicas que estão por marcar, na reunião de pais com o professor. Imprimem-se testes no trabalho para os ajudar a acompanhar o frenesim em que anda a escola pública, cosem-se meias que insistem em abrir buraco no dedo gigante, enche-se a máquina de camisolas carregadas de nódoas feitas três minutos depois de as vestirem, fazemos de enfermeiras, cozinheiras, motoristas - vai para a ginástica, segue para os escoteiros e acaba no atletismo, para não falar das festas de aniversários dos amiguinhos -, de terapeutas, de massagistas, etc. etc. etc. Só de relatar me canso...e apenas conta 1/3 da realidade.
 
- Ó mãe, anda cá ver isto.
- Ó mãe, onde está a mochila?
- Ó mãe, apetece-me maçã.
- Ó mãe, porque é que trabalhas até tarde?
- Ó mãe, já viste o meu boneco.
- Ó mãe, não estás a olhar...
- Ó mãe, tens de vir aqui.
- Ó mãe, porque é que os meninos têm pilinha e nós não?
- Ó mãe, o João bateu-me.
- Ó mãe, caí.
- Ó mãe...
Ufa, ufa.

Está a chegar o dia de ir para o pai e eu muito cansada. Mas, então, porquê este golpe de Estado no peito, este vazio? É assim. Somos mães e uma mãe sente sempre um vazio quando o seu filho se encontra distante, mesmo que esteja bem. Porque desde que nasceram que se tornaram um nosso prolongamento. E leva muito tempo até que consigamos olhar para lá deles, para nós, de novo, como mulheres. Para aproveitarmos o tempo em que eles vão para o pai e arrancarmos do roupeiro aquele vestido bem giro e leva-lo a passear pela noite, ou para arrastarmos uma amiga (ou amigo, porque não?) para um bar lounge desses que estão na moda, ir ao cinema ou simplesmente alongarmos o corpo no sofá a ver aquele filme romântico que nos faz derramar uma lagrimita ou um daqueles de acção em que George Clonney nos leva a...bom, não digo!

Quando a porta bate e eles saem felizes a correr para o pai e nós desatamos num último fôlego a debitar recomendações que eles já nem ouvem, o vazio toma conta. E todo o cansaço que nem há dez minutos atrás estávamos a sentir esvai-se à velocidade de luz. E ficamos ali paradas, meio-tontas, sem saber o que fazer, sem nos apetecer levar o vestido giro a passear, ir ao cinema ou ao bar lounge. Só mesmo o sofá. Mas passa. Melhora. Com o tempo lá arrancamos o vestido do roupeiro, lá começamos a sair da toca. Se há parte boa numa separação é essa: termos a oportunidade de nos redescobrir como mulheres.
  

2 comentários: