quinta-feira, 31 de março de 2016

Testemunho na Notícias Magazine


Há mais de um ano uma amiga jornalista desafiou-me a contar a minha vivência no Natal enquanto mulher divorciada e com uma filha. Fi-lo com gosto e apenas disse que não aceitava nada que tivesse por objectivo passar a ideia de que o Natal é necessariamente um drama para os filhos de pais separados. Aceitei e deixei claro que a minha perspectiva, como quase em tudo, é positiva e que não contribuiria para promover trabalhos que colocassem as crianças como coitadinhas. Não pretendo dourar a pílula e dizer que isto é tudo muito giro e tudo muito igual para as crianças como se os pais fossem casados (ou juntos, tanto faz). Claro que não, claro que é diferente e claro que há crianças que sofrem todo o ano e talvez mais nesta quadra. Mas o que tentei dizer neste meu testemunho à http://www.noticiasmagazine.pt é que se essas crianças sofrem mais que a conta durante todo o ano na sequência de uma separação e mais ainda no Natal é porque os adultos estão a fazer algo muito errado na gestão dessa separação.
 
Não há volta a dar: se os pais dramatizam, as crianças dramatizam. Se os pais se mostram serenos e agem com normalidade e amor, as crianças sentem-se seguras.
 
As crianças só querem serenidade e paz, querem brincar, ser amadas e sentirem-se seguras. Querem ver os pais felizes, andarem numa troca de tiros à sua frente. E isto, estes tiros, esta tensão permanente entre dois seres que se amaram um dia, tanto pode acontecer quer estejam casados, quer separados. E é com isto que a criança realmente sofre. Seja filho de pais casados, seja de pais separados. Não é a separação em si que causa traumas profundos na criança, mas sim a má gestão feita pelos adultos, que deviam ser os primeiros a proteger essas crianças. Claro que a separação dói mas são os actos irracionais de muitos pais que gera neles os traumas e o rótulo de coitadinhas.
 
Contei neste trabalho - eu e outras mães convidadas - que faço no Natal como tento fazer o ano inteiro, que a minha filha encare a quadra com alegria e normalidade e que não veja como drama o facto de ter uma festa em casa do pai e outra em casa da mãe. Contei, inclusive, que não vejo qualquer drama em que o pai ou a mãe passem o Natal juntos se as circunstâncias o permitirem. A minha filha chegou a ter esse exemplo quando num determinado ano o meu ex-marido ficou sozinho e eu, sem qualquer pingo de dúvida, lhe disse: "o pai da minha filha não fica sozinho, vais passar o Natal com ela e com a minha família". E assim foi.
 
 

quarta-feira, 30 de março de 2016

Carta de JC ao BE

Foi uma das últimas crónicas que escrevi na edição em papel do Diário Económico sobre o polémico cartaz do Bloco de Esquerda para assinalar a adopção por casais do mesmo sexo.

 
Transcrevo-a aqui do http://economico.sapo.pt/

Carta aberta de Jesus Cristo para o BE

Irmãos do BE, quero dizer-vos que achei alguma piada ao vosso cartaz. Só não ri à gargalhada porque achei que usaram o meu nome numa espécie de pirraça política e não para defender a causa das crianças e casais do mesmo sexo. Não era para vos escrever mas o meu pai, o Deus, e não o José, e a minha mãe pediram-me que o fizesse.
Meu Pai, o Deus, não o José, pede que vos diga que ficou muito sensibilizado por ter sido reconhecido por vossas excelências ao fim de tantos anos. Pediu-me que encarregasse João Baptista de descer à terra para os baptizar. A minha mãe, essa, é que ficou muito triste. Não percebe se foi excluída da minha origem no vosso cartaz porque estragava a analogia que pretendiam fazer ou porque tiveram vergonha de ela ter formado uma família não tradicional há mais de dois mil anos, engravidando de um e casando com outro. Eu expliquei-lhe que vocês iriam lembrar o seu papel na minha vida num próximo cartaz, quiçá sobre a bigamia.
Quanto a mim, queridos irmãos, não me senti ofendido. Só queria pedir-vos, e perdoem-me a ousadia, se no próximo cartaz poderiam usar uma foto minha mais recente, que terei todo o gosto em enviar para o partido. Não gostei muito da que usaram agora, mas achei de muito bom gosto terem escolhido o fundo cor-de-rosa. Um abraço irmão.

A azáfama do até já.

 
Agarra no saco, um maneirinho onde caiba tudo, e de coração apertado começa a arrumar, camada a camada, a roupinha do filho ou da filha, o cachecol porque faz frio (e que o pai não deverá tirar do saco), aquele casaco tão quentinho (que o pai vai esquecer a um canto), os ténis novos comprados naquelas lojas baratas de desporto, os cremes, não vá ela, a criança, ficar com o rabinho assado, o 'shampoo' próprio para a sua idade, as meias, as cuecas, ufa, ufa, ufa...As mães são tão chatas.

Está a chegar o dia, aquele dia em que eles vão para o pai. A barriga começa a dar sinais de revolução interna, as palpitações fazem das suas, ai que raio que eu não me habituo a isto.  Devia estar contente, e até estou, afinal vai para o pai, e se o pai é bom, nalguma escolha eu havia de acertar. E que bem que até me vai saber, que isto de ser mãe separada tem o que se lhe diga de desgastante. Há momentos em que atira-los pela janela - no meu caso atira-la - parece uma boa solução, tivéssemos nos a certeza que funciona como nos desenhos animados do Panda. Mas não funciona e por isso não há como fugir (nem queremos) das mais de 44 mil solicitações que estes pequenos seres nos apresentam.

Toca a correr para lhes enfiar goela abaixo manhã bem cedinho aquele batido de banana que os fortalece e tentar empurrar uma torrada, acabada de comer a caminho da escola. No regresso, já se pensa no jantar, naquelas calças que temos mesmos de lhes comprar, nas consultas médicas que estão por marcar, na reunião de pais com o professor. Imprimem-se testes no trabalho para os ajudar a acompanhar o frenesim em que anda a escola pública, cosem-se meias que insistem em abrir buraco no dedo gigante, enche-se a máquina de camisolas carregadas de nódoas feitas três minutos depois de as vestirem, fazemos de enfermeiras, cozinheiras, motoristas - vai para a ginástica, segue para os escoteiros e acaba no atletismo, para não falar das festas de aniversários dos amiguinhos -, de terapeutas, de massagistas, etc. etc. etc. Só de relatar me canso...e apenas conta 1/3 da realidade.
 
- Ó mãe, anda cá ver isto.
- Ó mãe, onde está a mochila?
- Ó mãe, apetece-me maçã.
- Ó mãe, porque é que trabalhas até tarde?
- Ó mãe, já viste o meu boneco.
- Ó mãe, não estás a olhar...
- Ó mãe, tens de vir aqui.
- Ó mãe, porque é que os meninos têm pilinha e nós não?
- Ó mãe, o João bateu-me.
- Ó mãe, caí.
- Ó mãe...
Ufa, ufa.

Está a chegar o dia de ir para o pai e eu muito cansada. Mas, então, porquê este golpe de Estado no peito, este vazio? É assim. Somos mães e uma mãe sente sempre um vazio quando o seu filho se encontra distante, mesmo que esteja bem. Porque desde que nasceram que se tornaram um nosso prolongamento. E leva muito tempo até que consigamos olhar para lá deles, para nós, de novo, como mulheres. Para aproveitarmos o tempo em que eles vão para o pai e arrancarmos do roupeiro aquele vestido bem giro e leva-lo a passear pela noite, ou para arrastarmos uma amiga (ou amigo, porque não?) para um bar lounge desses que estão na moda, ir ao cinema ou simplesmente alongarmos o corpo no sofá a ver aquele filme romântico que nos faz derramar uma lagrimita ou um daqueles de acção em que George Clonney nos leva a...bom, não digo!

Quando a porta bate e eles saem felizes a correr para o pai e nós desatamos num último fôlego a debitar recomendações que eles já nem ouvem, o vazio toma conta. E todo o cansaço que nem há dez minutos atrás estávamos a sentir esvai-se à velocidade de luz. E ficamos ali paradas, meio-tontas, sem saber o que fazer, sem nos apetecer levar o vestido giro a passear, ir ao cinema ou ao bar lounge. Só mesmo o sofá. Mas passa. Melhora. Com o tempo lá arrancamos o vestido do roupeiro, lá começamos a sair da toca. Se há parte boa numa separação é essa: termos a oportunidade de nos redescobrir como mulheres.
  

terça-feira, 29 de março de 2016

Separação sem armas

Quando me separei a minha filha andava pela idade da foto que  se segue. Era ainda pequena e  nossa principal preocupação, mesmo sem o dizermos, foi o bem-estar dela, que sentisse o menos possível os impactos da separação. Existe um facto do qual não os podemos poupar: a própria separação. E essa, só por si, já é para eles um fardo. Tudo o resto devemos evitar.
 

Já era uma menina feliz e continuou a ser, ainda que tivesse tido os seus altos e baixos, o seu tempo de adaptação. Foi crucial para isso a atitude que eu e pai tivemos, numa altura em que as emoções estão destrambelhadas. Mas é precisamente nesta altura que temos de ser PAIS.

Tivemos os nossos conflitos (quem não tem?) mas sempre ou quase sempre conseguimos - mais eu que ele - coloca-la à margem deles. Não digo que é fácil porque não é. Na altura, então, é muito difícil porque estamos em dor e com a autoestima ferida (ou será o ego?) e 'pensa-se' que o caminho mais fácil passa por dividir a dor com a criança. É o mais fácil mas é também o caminho errado minha gente. Difícil mesmo é semear a concórdia no meio da discórdia, ceder quando apetece responder à letra, relevar quando apetece reagir. Difícil é engolir sapos que nos parecem gigantes mas que, vá lá, admitam, vistas bem as coisas são bem mais pequenos que o amor que temos a obrigação de dar aos nossos filhos.

Viver a separação em guerra e levar a dor e o conflito até à criança surge-nos na hora (qual diabinho a tentar-nos) como o caminho mais fácil mas é também aquele que fará perdurar por muito tempo (quem sabe para sempre) a dor, a instabilidade, a desarmonia. Ah, pois é. Aguentar a dor da separação, promover a harmonia entre progenitor e criança, racionalizar o mais possível e deixar as crianças de fora de conflitos é o caminho mais difícil no imediato mas também é aquele que mais rapidamente nos conduz à paz e serenidade. E que, no fim, protege as nossas crianças. Como é possível que em pleno século XXI muitos pais ainda não tenham percebido esta equação e insistam em mostrar ao mundo que divórcio é sinónimo de conflito? Tenho uma resposta: o ego.
"Feliz aquele que supera o seu ego" (Buda).

Va lá malta adulta, gente que está a educar os homens e mulheres deste nosso belo país, deixem lá de usar os filhos num conflito pós-separação, deixem lá de transferir para eles as vossas dores e fracassos que aqueles pequeninos seres têm mais é de brincar (muiiiiito) de não de levar com esses actos de desamor. Não é fácil, mães é pais, não é nada fácil. Mas é possível. Eu fi-lo e conheço muitas mães e pais que o fizeram e fazem. É possível.

Vida em suspenso


Tenho a minha vida em suspenso.
A empresa para a qual trabalho, enquanto jornalista, como é por demais público, decidiu fechar (eles falam em suspender) a edição em papel do jornal. Isto depois de terem deixado de pagar salários ou de pagarem aos bocejos.

Sendo mãe divorciada que conta apenas com o seu salário para pagar aqui o castelo onde vive e as insistentes contas mensais que vão chegando (ainda tenho a esperança que um dia as empresas prestadoras de serviços se esqueçam de mim), optei muito antes da tão famigerada insolvência por pedir a suspensão do contrato. Ora, desde então, deixei de estar 'obrigada' a apresentar-me ao trabalho (é o que significa a suspensão) e, de jornalista/mãe que vivia numa tremenda correria, passei a jornalista/mãe com horas livres para inventar o que fazer. E invento, que lá nisso nem sou má.

Como a vida de jornalista/mãe num jornal diário (que vive da pressão e do inesperado) não me deixava tempo para outras tantas coisas que gosto e preciso, decidi que chegou o momento de partir para essas outras coisas. E voilá! já tenho uma plano para um novo estilo de vida, onde entram minutos (um dia passarão a horas) de ginástica (em casa e na rua que isto, sem salário, não está para ginásios), montanhas de cremes hidratantes (caseiros) para ver se fazem algum milagre aos efeitos da gravidade (ah, pois é), uma montanha de livros para pôr em dia, projectos para lançar (segredo!) e mais e mais, que vou tomando nota aos poucos.

Estar parada a lamentar-me e não aproveitar as crises como oportunidades não encaixa em  mim. Se a vida, em certo sentido, está em suspenso, temos de encontrar outros sentidos onde ela possa andar, quicá, até correr. Como dizia -  e bem - Winston Churchill "um pessimista vê uma dificuldade em cada oportunidade, um optimista vê uma oportunidade em cada dificuldade".

 No próximo dia 1 de Abril faz 18 anos que me estreei, como profissional, nesta aventura maravilhosa que é o jornalismo. Parece-me um bom dia para arrancar com este plano de dar luta a este maldito 'pneu'  que os 40 (e tais) me trouxeram e pôr o fim a alguns velhos e maus hábitos (ai...que difícil).  

Felicidade não é ser, é estar.

Parece que é desta.
Há muito que pessoas que me são queridas diziam para criar um blog e agora que a empresa para a qual trabalho está na situação que por todos é conhecida sobrou-me tempo para esta aventura. Quando, finalmente, disse que ia avançar a pergunta imediata foi: "E é sobre o quê?". Fiquei sem saber o que dizer. Porque nunca gostei muito de coisas estanques e pré-definidas. Sobre tudo o que eu quiser, era apenas a resposta que me ocorria. Sobre a actualidade, claro, porque sou jornalista e (muiiiito) interessada, sobre a monoparentalidade, porque sou mãe divorciada, sobre a inteligência emocional, porque adoro psicologia e cultivo este lado da existência, sobre a vida como ela é.

O único critério que tinha em mente é que não queria fazer um blog sobre vidas cor-de-rosa, onde tudo é belo, maravilhoso, bonito, super 'fashion', irreal, portanto. Porque a vida tem coisas menos boas, dilemas e zonas cinzentas, mas que podem ser vividas com optimismo. Mas que fique claro: é um blog pessoal. É a mulher e a mãe, sobretudo, que aqui estão. Só depois virá a jornalista.

É de tudo e de nada que me proponho falar. De como é possível aos 40 (e tais) mantermos uma vida saudável (ou tentar, vá lá), adorar roupas, sapatos e outras futilidades e ao mesmo tempo amar livros, informação, conhecimento, profundidade, espiritualidade. Quem disse que é incompatível? Aposto que anda por aí muita mente mais preconceituosa que acha que é. Mas não é. As mulheres já o provaram. É bem possível e bem saudável estar de manhã a espreitar o último gritos da moda numa galeria comercial, a babar pelas botas de salto agulha e camurça, e horas depois estar a fazer análise política ou social ou a ler um livro sobre o choque das civilizações ou a guerra no Médio Oriente. Olha que bom!

A vida é boa e ponto. Mesmo quando é madrasta (nada contra estas, atenção, apenas força de expressão). Divorciei-me há seis anos. E depois? O mundo não acabou, bem pelo contrário, recomeçou. Fiquei com um salário apenas para gerir uma casa e a vida, com uma filha pequena. Difícil, sim, mas possível. Não acerto nos 'castings' a parceiros amorosos. Aqui, confesso, é chato e irritante...mas também enriquecedor (ahahah!, eu a rir de mim própria). Não faço a vida que os nossos avós e pais dizem ser a 'normal' ou a 'tradicional'. Acho isso óptimo. Começo a sentir os efeitos da gravidade numa cabeça que ainda tem 30 anos. Pois...é chato...mas tem solução (a iludir-me de novo). E por aí adiante...a felicidade não está no 'ser' mas sim no 'estar'. Não ambiciono ser feliz. Quero estar feliz. E o estar é hoje, é agora.